Desde o início da pandemia e do isolamento social, foi possível perceber o grande impacto que as pessoas, o mercado financeiro, o cenário político e as tendências de comportamento –até então previstas – iriam sofrer. Com o declínio da vida social e a grande ascensão da tecnologia na rotina das pessoas, a forma de comportar e de viver tornou-se extremamente minimalista, diminuindo drasticamente os níveis de consumismo, priorizando uma vida mais simples, focada na realização pessoal e no autoconhecimento. Além disso, essa forma de viver proporcionou o redirecionamento dos olhares para os prazeres que o consumo desenfreado e a correria da produção em massa não compram.
Foi a partir destes novos desejos que a estética Cottagecore (popularizada por adolescentes e jovens e que celebram uma vida rural idealizada, originalmente baseada na vida rural europeia) se tornou forte no período pandêmico, na busca de colocar em prática comportamentos e estilo de vida simples.
Foto: reprodução/ Estética Cottagecore
Com o fim do isolamento social e com o início da grande corrida para alcançar o "tempo perdido" neste período, as pessoas começaram a sentir todo o peso que a realidade passou a ecoar na sociedade e consequência disso, se instaurou na atmosfera um novo movimento: o 'Escapismo'.
O sentimento de escapismo e de desconexão pode ser definido como necessidade de se desligar – mesmo que de tempos em tempos – ou estar menos conectado, fugir um pouco da rotina e da realidade, digitalmente ou não. Diante a tantas dificuldades, os meios de refúgios se tornaram cada vez mais demandados na arquitetura, consumo de cultura, life style e, claro, também na moda. Mesmo que ainda estejamos mais familiarizados com o impacto da tecnologia no nosso bem-estar, na nossa saúde e na produtividade, a necessidade de escapar da realidade, de ter momentos de descompressão e de esquecer dos problemas tornou-se mais relevante diante a tanto caos.
O conteúdo digital, de certa forma, também passou a ser um meio de alcance desse desejo, se tornando um aliado na alienação e dissociação. Neste caso, podemos identificar o intencionalismo como uma macrotendência do escapismo, em que a desconexão pode ser alcançada através da criação e consumo de conteúdos que acalmam e relaxam, como aqueles vídeos de preparo de comidas incríveis feitas em poucos minutos no TikTok/Reels, vídeos e dicas de organização de ambientes, conteúdos com estética que vai de encontro à onda de perfeição, seja ela inserida em um estilo de vida ou mesmo nos objetos e roupas que definem uma personalidade. Outro ponto em que podemos perceber essa macrotendência, usando a tecnologia como forma de escape, é quando ativamos um alerta de tempo de uso em um app na intenção de evitar o desgaste que o grande consumo da mesma pode causar.
Da mesma forma que o escapismo é base pra várias trends que temos visto pelo consumo afora, podemos perceber este sentimento de forma muito bem definida na moda. Estilistas começaram a criar com base no mesmo sentimento, como se fosse um mix de “estamos livres” com “nem tanto, mas daremos um jeito de viver mesmo assim”. Podemos entender, de forma mais ampla, o escapismo na moda como uma vontade de dar certa graça na dura realidade, explorando a percepção do lúdico e do surreal.
O mood da tendência são roupas confortáveis, deixando os rigores da forma e das etiquetas um pouco de lado, navegando facilmente entre a estética minimalista e a estética over, sem conectar muito bem com a ocasião em que são inseridas. Depois de tanto tempo presas em casa, as pessoas querem liberdade de movimento, leveza sobre os ombros, possibilidades amplas sobre quem ser e como se portar. As franjas, estampas florais, vichy coloridos, brilhos, texturas metalizadas e tons de cores alegres são as provas físicas dessa busca idílica.
Tom Ford foi uma das marcas que apostaram na tendência e trouxe em suas últimas coleções um pouco mais de festa a essa nova versão de escapismo. “Going with a bang” – como eles dizem – a marca veterana vê festas nas ruas e propõe joggings brilhantes e paletós ultracoloridos, misturando básicos e paetês no tapete vermelho da padaria.
Foto: reprodução / Desfile Tom Ford, 2022.
Outras marcas aderiram como puderam, Michael Kors se apossou do Central Park, símbolo máximo da liberdade upper class local, enquanto Wes Gordon, diretor criativo da Carolina Herrera, comemorou 40 anos da marca revivendo os arquivos da marca com leveza. A uruguaia Gabriela Hearst, que também assina a Chloé, se fortaleceu com presenças indígenas em colaborações criativas para sua label. Peter Do, diretor criativo da Helmut Lang, falou sobre suas origens vietnamitas via trabalho de alfaiataria – e aproveitou para dar representatividade à massa de imigrantes orientais presente nos EUA, depois de tanta discussão recente por lá sobre preconceito racial contra essa comunidade. Em comum, cada um se conectou com suas bases e cuidou das raízes, como a experiência da quarentena mostrou ser essencial.
Vídeo: reprodução/ Instagram - @aria.phenix
A ideia de empurrar um fardo social morro acima não é nada agradável, ainda mais sabendo que ele pode deslizar a qualquer momento, causando um impacto relevante nas pessoas e na comunidade. Mas a moda já soube resistir a tempos piores... Entre vírus e novas ondas, ela sempre vai dando um jeito de se reencaixar, de se readaptar e de criar novos significados como própria válvula de escape da realidade.
Fontes de pesquisa: Como o escapismo vai impactar as tendências no digital?. TikTok for Business, 2023. Disponível em: <https://www.tiktok.com/business/pt-BR/blog/wgsn-comportamento-tendencia-digital-escapismo>. Acesso em: 20 set. de 2023. | Como a moda se adaptou ao novo cenário com "escapismos possíveis". L'Officiel, 2021. Disponível em: <https://www.revistalofficiel.com.br/moda/moda-nova-realidade-em-escapismos-possiveis>. Acesso em: 20 set. de 2023. | Cottagecore é a tendência escapista para aliviar a tensão da pandemia!. Lilian Pacce, 2021. Disponível em: <https://www.lilianpacce.com.br/moda/cottagecore-e-a-tendencia-escapista-para-aliviar-a-tensao-da-pandemia/>. Acesso em: 20 set. de 2023.