Foto: Mauro Figa / Acervo Júlia de Assis
A importância da modelagem na criação de uma peça ou de uma coleção é indiscutível! Dentro do ramo do corte e costura, há diversos profissionais com papéis fundamentais de execução, mas a modelagem é um dos primeiros passos, sendo a base de tudo o que será desenvolvido com início nas pilotagens. Essa é a etapa em que o desenho sai do papel/programa e se torna uma peça física. Sendo assim, é preciso entender as possibilidades entre a modelagem, o design e variantes.
Para conversar a respeito da importância da modelagem e as possibilidades que ela nos oferece, convidamos a Modelista e Designer de Moda Júlia de Assis. Júlia é graduada em Design de Moda pela Universidade FUMEC, com especialização em Processos Criativos em Palavra e Imagem pela PUC Minas e mestre em Design pela UEMG. Também atua como professora desde 2011 e possui seu próprio ateliê, Sagarana, desde 2014.
Em meio a tantas habilidades, Júlia também acaba de lançar o seu livro "Da Abstração à Forma", explorando as formas de se fazer modelagens e oferecendo informações com acessibilidade para estudantes e profissionais da área.
Foto: Mauro Figa / Designer Júlia de Assis
Como a modelagem e a costura surgiram na sua vida? Durante minha adolescência minha mãe mudou de área de atuação e assumiu um ateliê de reparos de roupas. Ia pra lá depois da aula e ficava ajudando a desmanchar costuras, fazer bainhas, marcar roupas em clientes e o que mais fosse preciso. Assim comecei a pegar retalhos e tentar criar coisas. Ia aprendendo com as costureiras o manuseio da máquina e ao mesmo tempo tentando fazer roupas pra mim usando revistas de moldes. Errei muito, larguei várias coisas que não davam muito certo, mas aos poucos fui aprendendo. Quando entrei na faculdade que fui ter aula de modelagem de fato e ter um conhecimento prévio de costura me ajudou bastante. A partir daí nunca mais parei. Você se intitula como defensora da independência criativa, por que? Gosto do pensamento de que todas as pessoas podem ser criativas, basta criar o hábito de exercitá-la. Infelizmente a maioria de nós cresceu e foi educado dentro de uma lógica que reforça a memorização e a reprodução de conhecimento. O processo de aprendizado demanda sim que às vezes memorizemos alguns tipos de conhecimentos, mas não devemos parar aí. É necessário instigar as pessoas a ir além da memorização para a prática. É fazendo que mais aprendemos sobre qualquer conteúdo. Ao botar a mão na massa, questões vão aparecendo e você vai lidando com elas baseado no seu conhecimento como também no seu instinto. Esse instinto é nosso lado criativo. Se duas modelistas são orientadas para fazer o molde de uma peça de roupas a partir de um desenho, o resultado final pode ser bem parecido, mas o processo que cada uma trilhou para chegar até a roupa pode ser bem diferente. Gosto de provocar nos alunos essa conscientização sobre os processos e como lidamos com eles cada um à sua maneira.
Foto: Mauro Figa / Acervo lançamento livro Júlia de Assis
Em qual momento da sua carreira você investiu na criação do seu livro "Da Abstração à Forma"? Desde que me formei invisto na pesquisa em modelagem e seu ensino. Em 2017 levei essas questões para o mestrado e desenvolvi uma pesquisa em torno da modelagem experimental e como ela é percebida pelos alunos de moda. A pesquisa foi concluída em 2019. Com a pandemia em 2020 fiquei um tempo sem trabalho e tive essa vontade de transformar a pesquisa em um formato mais acessível. Eu adoro livros e me lembro que durante a faculdade sempre pensava "como seria legal ter um livro de experimentos na modelagem" pois a maioria da bibliografia que encontramos é mais técnica. Hoje, 11 anos depois de formada, tendo me dedicado durante todo esse tempo ao ensino e à criação de práticas experimentais em modelagem, fico muito feliz em poder oferecer esse material para pessoas com a mesma curiosidade e desejo que eu. Quais as maiores dificuldades enfrentadas por você no mercado da moda enquanto artista? Atuo pouco como criadora de peças para outras pessoas. Acho que o que me desmotivou a trabalhar na área como estilista foi justamente a pouca flexibilidade do mercado de moda em relação às produções autorais. Hoje acho que este cenário já está um pouco diferente e vejo que existe mais espaço para marcas experimentais. Existe uma conscientização maior por parte dos consumidores com relação aos processos de produção e seus custos. Vemos uma corrente legal de valorização das pessoas envolvidas no processo do desenvolvimento de produtos. Mas ainda é muito difícil se manter financeiramente como produtor independente sem incentivos públicos. Ainda há muito que se discutir politicamente sobre as demandas e características dos pequenos empreendedores.
Foto: Mauro Figa / Acervo Júlia de Assis
O que falta hoje nos estudante e profissionais da área para se libertarem dentro dos processos de criação sem pensar apenas na demanda de mercado?
Incentivo para criação de novas possibilidades. É preciso incentivo em vários aspectos: primeiro no âmbito do ensino, que precisa se reformular para fazer sentido dentro de um cenário cada vez mais fluido e rápido, com estudantes ávidos por conhecimento que esteja conectado com a atualidade e que possa ser assimilado em seus próprios processos. Não adianta esperar que os novos estilistas atuem de maneira criativa se foram ensinados em sua formação para reproduzirem o mesmo status quo. Mas infelizmente o que vemos hoje como movimento de governo é a precarização do ensino com investimentos cada vez mais escassos, instituições públicas cada vez mais debilitadas e professores pouco valorizados. Como ter novas abordagens de ensino, se o ensino em si não é valorizado?
Segundo, é necessário incentivo de mercado e aí entram tanto os consumidores, que precisam cada vez mais serem conscientizados sobre suas escolhas de compra como também, e principalmente, incentivos de políticas públicas que possam apoiar estes novos tipos de proposta. É fácil cair na produção de peças de modinha com grande saída e que ajudam a pagar os boletos no fim do mês. Os custos para manter uma empresa regular são altos e burocráticos. Não é a toa que tantos produtores tem dificuldade de se formalizar até como MEI, formato considerado como um dos mais simples. Processos de criação estão ligados diretamente ao meio em que estão inseridos. Se este meio incentiva e possibilita o surgimentos de novos formatos, é possível florescer, caso contrário, acabamos cerceados a nos encaixar no fluxo habitual das coisas.
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