A moda é uma ferramenta indispensável para compreender a história. Através de um modo de vestir comum, adotado em determinado momento, torna-se possível detectar um estilo de vida e os desejos de toda uma sociedade. Foi assim logo após a Primeira Guerra Mundial, quando as mulheres começaram a ocupar o mercado de trabalho e já não fazia mais sentido usar corselets desconfortáveis ou saias longas nada práticas. Mudanças profundas no vestuário também marcaram os anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial. Depois de um longo período de escassez, ressurge a vontade de voltar a ser feminina. O New Look de Dior, com sua cintura marcada, se estabelece como um tratado de moda.
De nossa guerra atual, contra o inimigo comum chamado Covid 19, também nascem mudanças significativas no vestir. As passarelas e vitrines reagem, inundando-se de cores e estampas. Injeta-se na sociedade a dose de otimismo necessária para se seguir em frente e seguir consumindo. O fenômeno ganhou um nome: moda dopamina, uma alusão ao neurotransmissor cerebral ligado ao humor, ao bem-estar e às sensações de prazer.
Não é de hoje que se investiga a relação entre as cores e a capacidade que possuem de despertar emoções. Desde o Egito Antigo já se estudava os efeitos que elas possuíam na transmissão de determinadas sensações a partes específicas do cérebro. Se o amarelo, por exemplo, atinge diretamente o sistema de recompensa, responsável por reproduzir as experiências de prazer, o vermelho é lido como sinal de virilidade e dinamismo.
Foto: Bottega Veneta Resort 22
As passarelas internacionais, claro, foram muito além destas duas totalidades. Dos desfiles da temporada outono/inverno 2021 aos shows das coleções do resort apresentadas no início deste mês, as cores andam mostrando seu poder de fogo. Carolina Herrera, Valentino, Prada, Bottega Veneta, Off White e Vêtement: a lista de grifes que apostam nos tons vibrantes é praticamente infindável. O fenômeno, na opinião de muitos, não parece ter prazo de validade. “Tivemos perdas irreparáveis, mas, também carregamos, de certa forma, o sentimento de termos sobrevivido. É exatamente daí que nasce esta moda cheia de cores, estampas e que parece gritar em uníssono a mensagem de que dias melhores virão”, analisa Vivian Sotocorno, editora de moda da Vogue. Na opinião dela, o colorido, entretanto, divide a cena com outra vertente testada e aprovada durante os meses de lockdown e home office. “Ao mesmo tempo que assistimos esta profusão de looks alegres, notamos que todo esse colorido acontece entre peças confeccionadas em materiais confortáveis e donos de modelagem idem. Talvez seja exatamente desta aliança entre a moda dopamina e o athleisure que tenha surgido um novo modo de vestir”, analisa Vivian.
O mercado também reflete em cifras a profusão desse otimismo generalizado. O grupo LVMH, por exemplo, líder no segmento de luxo, registrou uma receita de 44,2 bilhões de euros nos primeiros nove meses de 2021, um aumento de 46% em relação a 2020. O crescimento orgânico da receita no período foi de 40% em comparação com 2020. Para se ter uma ideia, só o segmento moda do conglomerado atingiu níveis recordes no período, apresentando um crescimento orgânico de 38% em relação ao terceiro trimestre de 2019. Falando ainda em números, a busca por acessórios coloridos também é notável. De acordo com o informe trimestral do Lyst.com, empresa de tecnologia de moda que analisa o comportamento online de grifes de luxo, as plataformas Medusa Versace e os slides verdes atoalhados da Bottega Veneta foram alguns dos acessórios mais procurados entre os e-commerces de 2021.
Foto: LED Inverno 22
Na última edição do SPFW, ocorrida em novembro, o otimismo também ecoou pela passarela e ao redor dela, num evento marcado por reencontros, diversidade e, a exemplo das passarelas internacionais, numa moda cheia de cor. A grife baiana Meninos Rei, por exemplo, um dos destaques do line up, trouxe para a sala de desfile peças de modelagem elaborada, confeccionadas em tecidos africanos altamente estampados e vibrantes. “Estamos saindo de um período sombrio, onde muitas pessoas morreram e ainda morrem. Nossa apresentação chegou num momento onde as pessoas pareciam estar sedentas por algum tipo de alegria. E nossa moda recupera esse sentimento, através de cores, estampas, inclusão e a possibilidade de retratar nossa ancestralidade”, conta o estilista Céu Rocha, que ao lado do irmão, Júnior, divide o comando da grife criada em Salvador há sete anos.
Para a consultora de estilo Ucha Meirelles, radicada em Nova York e fã incondicional de looks coloridos para todos os momentos, a explosão das tonalidades vibrantes já começa a dar sinais de cansaço, principalmente entre as vitrines do hemisfério norte. “Foram tantas cores, brotando por todas as coleções e vitrines, que acredito que agora estamos caminhando para um ponto de equilíbrio. Talvez o ‘novo’ seja realmente reservá-las para os acessórios, onde costumam oferecer efeitos incríveis para qualquer produção”, diz. A razão também tem fundamentos econômicos. Investir em óculos, bolsas ou sapatos de uma coloração vibrante acaba oferecendo um melhor custo benefício. “Ninguém quer gastar fábulas numa calça ou casaco que pode cansar facilmente. Já os acessórios são, em comparação, muito mais versáteis. Um investimento capaz de renovar qualquer look e ser reaproveitado inúmeras vezes”, explica a consultora.
Entre maxi vestidos fúcsia ou mini bags verde-limão, a palavra de ordem sem dúvida é aproveitar a onda de otimismo, seja qual for sua dose. Afinal, como acontece com muitas das tendências, não podemos ter certeza ao certo de quanto tempo ela pode durar. Sejamos otimistas.
Fonte: Vogue BR
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