Fabrício Costa, doutorando em História Social pela Universidad Católica da Argentina, explica como a moda é uma forma rica de manifestação política dentro da História.
"...Entender como chegamos ao ponto que nos encontramos, nos ajuda em muito a refletir hipóteses e soluções. Saber quem somos é parte fundamental da construção de uma verdadeira cidadania. E aí sim, a história tem uma participação importantíssima, aliando-se à outras áreas do saber."
Foto: Historiador Fabrício Costa / reprodução
A Moda e a evolução da História Humana podem ter mais ligação do que você imagina. Historicamente, o vestuário evoluiu com a evolução da humanidade e se tornou um reflexo das questões sociais, políticas, religiosas e morais de todas as fases vivenciadas pelo ser humano. Dessa forma, o estudo da história do vestuário implica em um estudo de todos os aspectos da vida, nas diferentes épocas.
Vídeo: Evolução da vestimenta feminina 1910s - 2010s / reprodução @historia_e_turismo
Para compreender melhor essa relação, vale observarmos a diferença entre o termo Moda e o termo Indumentária, analisando o significado de ambos e como podem ser identificados na sociedade. Moda, por definição, está ligado à um movimento de expressão que é efêmero. Se aplica em um instante e, tempo depois, deixa de ser aplicável (teoricamente), isso ocorre conforme os costumes de cada época ou do momento social vivido em um período. É um comportamento que vai além da estética material das roupas e interliga vários pilares de uma cultura como: música, arte, cinema, tecnologia, morais sociais, e muito mais.
Indumentária é bem mais simples de compreender: são roupas, acessórios e adornos usados pelos humanos com apenas dois intuitos: cobrir seus corpos e se diferenciar um dos outros -hierarquicamente falando - através dos simbolismos. É possível identificar o uso da indumentária desde a pré-história, onde humanos precisavam se cobrir pra não morrer de frio e queriam mostrar seu valor e conquistas no reino animal usando dentes e pele de predadores que foram caçados, como forma de cultuar o poder. Diante à melhor compreensão desta diferença de termos, convidamos o historiador Fabrício Costa, para nos dar uma visão mais ampla sobre a importância da História e a contribuição da indumentária e da moda para a construção dos estudos da área. Graduado em História e Ciências Políticas pela UFMG, professor da rede privada de ensino em Belo Horizonte - MG e doutorando em História Social pela Universidad Católica da Argentina, Fabrício começa a entrevista contando que seu interesse pela História começou com grande influência da leitura desde a sua infância:
"Me recordo de gostar bastante de leitura e achava o meu material didático muito interessante. À medida que fui lendo e adentrando este universo, fui me cativando ainda mais pela História. Em casa, tinha o exemplo dos meus pais sempre lerem, seja jornais ou livros. Além disso, tinha a antiga Enciclopédia Barsa em casa e jornais à disposição. Isso tudo contribuiu para ir moldando em mim um leitor, ação básica daquele que pretende estudar História."
VOCÊ JÁ TINHA ALGUMA RELAÇÃO COM A ÁREA EM QUE TRABALHA QUANDO ERA MAIS NOVO?
Como é a área de educação, costumo pensar que desde o dia que entrei em sala de aula, nunca mais saí. Imagine que entrei aos 3 anos de idade. Saí do Colégio para a Universidade. E da Universidade para a sala de aula como professor. Então, hoje, aos 43 anos, estou comemorando 40 anos de sala de aula. Um marco.
QUAL A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO SOBRE HISTÓRIA PARA A SOCIEDADE?
Não acredito muito na ideia de que uma sociedade que não conhece a sua história, estaria fadada a repeti-la. A História nunca se repete, pois os atores nunca são os mesmos e nem os fatos históricos. Alguns dizem que ele não repete mesmo, mas ela rima com certa frequência.
Porém, de tudo isso, posso refletir sobre a compreensão do presente que a história lhe dá. Entender como chegamos ao ponto que nos encontramos, nos ajuda em muito a refletir hipóteses e soluções. Saber quem somos é parte fundamental da construção de uma verdadeira cidadania. E aí sim, a história tem uma participação importantíssima, aliando-se à outras áreas do saber.
COMO VOCÊ VÊ O PAPEL DA MODA/INDUMENTÁRIA NO DECORRER DA HISTÓRIA DA SOCIEDADE?
A moda reflete a história e o momento histórico que se vive. Quando você observa as revoluções liberais, você vê o impacto disso nas indumentárias. Tanto por aquele que se liberta, quanto por aquele que luta para conservar valores.
Observe o caso das Monarquias no século XIX, em plena efervescência das revoluções liberais. As roupas vão perdendo a pompa, ganhando agilidade, versatilidade e simplicidade. Neste mesmo período, os monarcas a nobreza e até mesmo a burguesia recém enriquecida, usa da moda, dos vestuários para ali também se contrapor às demais camadas.
Quando observamos as indumentárias de Pedro II expostas hoje em Petrópolis, por exemplo, vemos ali uma manifestação política.
O Manto Imperial do Brasil era utilizado juntamente com a Coroa Imperial e o Cetro Imperial durante cerimônias solenes como a Abertura e Fechamento dos trabalhos na Assembleia Geral, quando Imperador proferia a “Fala do Trono”, e durante a Coroação.
Fotos: Ilustração das coroações Imperiais da Corte Portuguesa no Brasil Colônia / reprodução.
O Manto Imperial, com a murça de penas de galo-da-serra, foi confeccionado para a Coroação de Dom Pedro I em 1822. Em forma de poncho e com a murça de penas era muito diferente dos tradicionais mantos europeus vermelhos ou azuis com pelagem de arminho. O poncho das vestes era de veludo verde escuro, sua parte interna era forrada de cetim amarelo, as cores nacionais, por fora em fios de ouro estavam bordados, ao redor, ramos de cacau e tabaco, no centro uma série de Serpes, representando a Real e Imperial Casa de Bragança, esferas armilares, antigo símbolo do Reino do Brasil, e por fim estrelas, simbolizando o novo Império.
Sua confecção era atribuída à senhoras da elite, que em um mês o confeccionaram. A murça do Manto Imperial era feita de penas, primeiramente de galo-da-serra, sendo refeita durante o Segundo Reinado por penas de papo de Tucano, ambas amarelas. A confecção da primeira murça é atribuída a um comerciante que a encomendou aos índios Tirió e presenteou o Imperador. A moda também é uma forma de manifestação política e é muito rico pensar a história através da moda.
VOCÊ IDENTIFICA ALGUMA MUDANÇA NA RELAÇÃO DO COMPORTAMENTO DA SOCIEDADE COM A FORMA DE SE VESTIR HOJE EM DIA?
Sem dúvida. Basta olharmos o que se sucedeu durante o período Primeira Grande Guerra. Homens abandonaram seus empregos, sendo recrutados para o campo de batalha. As mulheres têm que sair de casa e substituir os homens como mão-de-obra nestas mesmas fábricas que precisavam continuar produzindo. A mulher passa a ter dupla atribuição. Além da tarefa doméstica, passa a ter função laboriosa fora de casa, nas fábricas também. Daí o vestuário feminino passa por uma simplificação radical e veloz. Anáguas praticamente desaparecem, vestidos são simplificados. É necessário dar agilidade e mobilidade para a mulher que trabalha nas fábricas. A moda responde de maneira quase imediata às demandas sociais. Se assim não o fizer, ela não seria sequer historicizável.
Fotos: Mulheres assumindo cargos nas produções de chão de fábrica durante a Primeira Guerra Mundial / reprodução.
NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, COMO VOCÊ ENTENDE A RELAÇÃO DE CULTURA, COMPORTAMENTO E TENDÊNCIA? QUAL A ORDEM QUE VOCÊ ESTABELECERIA PARA EXPLICAR A ESTRUTURA QUE VIVEMOS ATUALMENTE E COMO VOCÊ ACHA QUE ISSO MARCARÁ A HISTÓRIA?
As mudanças estão rápidas e a globalização nos obriga e pensarmos não mais localmente.
Existe uma massificação cultural e até uma gentrificação, criando um padrão de consumo de Shanghai à Nova York, passando por Paris e Sydney, envolvendo Bombain, São Paulo, Buenos Aires, Istambul, Joanesburgo. Enfim, o mundo hoje nos dá acesso, na palma da mão, através de um Tablet ou celular, ao consumo rápido e global.
Eu assisto à séries coreanas, filmes americanos, novelas mexicanas, lendo em uma língua europeia; professo uma religião asiática e me alimento com uma culinária que vem desde o período colonial brasileiro em, que engloba várias raízes culturais. Em suma, a globalização sempre esteve aí. Mas a velocidade é a novidade.
VOCÊ ACHA QUE A CONSCIÊNCIA HISTÓRICA TRAZ À TONA OUTROS ASSUNTOS IMPORTANTES NA MODA, COMO A SUSTENTABILIDADE? SE SIM, PORQUÊ?
Levando em consideração a História enquanto dinâmica que nos constrói como cidadãos cônscios, podemos entender a sustentabilidade como algo necessário. O mundo do consumo desenfreado precisa ser repensando. Quando observamos aquele descarte de roupas que existe no Atacama chileno que, devido ao clima desértico, não deteriora rapidamente o vestuário, entendemos que precisamos diminuir o consumismo. E a moda é parte essencial deste debate, pois é ela que produz tudo isso. Digamos que é na moda que se desagua estas questões. Então, deve ser por ela também que se passam as soluções. E a história pode contribuir neste debate enquanto um pensar humano interdisciplinar.
Por fim, Fabrício nos deixa, em sua entrevista, uma dica importante para que possamos construir um comportamento mais consciente através dos pilares dos estudos de História:
"Compreendam o passado, estudem, leiam. Compreendam como chegamos aqui. "